Avaliação psicossocial é importante para inclusão de PcD
Ativistas, senadores e especialistas celebraram na última segunda-feira (22) o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Durante sessão especial no Plenário do Senado, eles destacaram como um dos maiores desafios a necessidade de regulamentação da avaliação biopsicossocial, considerada essencial para garantir o acesso desse público às políticas públicas.
Celebrado anualmente em 21 de setembro, o dia de luta foi criado por meio de um projeto de lei (PLS 379/2003) apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), transformado na Lei 11.133, de 2005. Como presidente da sessão especial, ele destacou a data como mais um marco para refletir sobre os desafios que ainda precisam ser superados. Paim afirmou que, mesmo com possível impacto econômico, é preciso investir na unificação da avaliação biopsicossocial, com foco nos avanços que ela trará na vida das pessoas com deficiência. "Hoje as esperanças residem na regulamentação da avaliação biopsicossocial. São cerca de 30 políticas públicas que serão impactadas por essa avaliação".
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI — Lei 13.146, de 2015) já prevê que a avaliação, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multidisciplinar. Esse tipo de avaliação não considera apenas modelos médicos. Nela, a condição de saúde é avaliada em conjunto com o contexto social para identificar como a deficiência afeta a participação plena na vida. A implementação efetiva da norma, porém, enfrenta barreiras.
O governo tem incentivado a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, lançada em 2023 para criar um processo de certificação que vá além do foco exclusivamente médico, considerando aspectos psicológicos, ambientais e sociais, além dos biológicos. O objetivo é unificar as diferentes avaliações existentes, simplificando o acesso de pessoas com deficiência às políticas públicas, reduzindo a fragmentação burocrática e garantindo uma caracterização mais justa e abrangente da deficiência.
Na avaliação dos participantes da sessão especial, o sistema enfrenta desafios na sua implementação e na interpretação, por ainda existir no país uma cultura enraizada que acaba mantendo práticas que insistem em classificar a deficiência a partir de um modelo médico tradicional.
Para eles, isso acaba gerando desigualdades e estimula disputas e judicializações, criando barreiras adicionais para a execução da política pública. As controvérsias, de acordo com os debatedores, surgem exatamente da necessidade de superar a resistência em abandonar a visão biomédica e de implementar uma infraestrutura de apoio e de garantia de acesso e formação adequados dos profissionais.
O Censo Demográfico 2022 do IBGE indicou que há cerca de 14,4 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, o que representa 7,3% da população com 2 anos ou mais de idade do país. Além disso, foram identificadas 2,4 milhões de pessoas com autismo.
Políticas públicas
A secretária nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Anna Paula Feminella, alertou para a “dívida histórica” do Estado com as pessoas com deficiência por, ao longo dos anos, não desenvolver e implantar políticas públicas que viessem a promover a inclusão e a acessibilidade. Para ela, é preciso investir em ações que promovam direitos humanos de forma intersetorial, levando conhecimento à população em geral sobre as pessoas com deficiência, combatendo o preconceito que os coloca “apenas como beneficiários de benefícios sociais”, e não como atores nas atividades econômicas.
"Deficiência não é doença, mas ainda está no imaginário popular. Para muito médico, a gente não é visto como um ser humano, como um indivíduo que tem direitos, mas sim como uma lesão; aquela parte do corpo que nos falta é um comportamento considerado fora do padrão. Então, para a gente superar essa corponormatividade com uma cultura anticapacitista, antidiscriminatória, a gente precisa identificar quem são as pessoas com deficiência (…) Se a gente não fizer isso, a gente estará aumentando as desigualdades, aumentando a pobreza não só de quem tem deficiência, mas das suas famílias, das suas comunidades. A gente estará contribuindo para um sistema de opressão que, muitas vezes, inviabiliza a vida das pessoas".
Desafios de implementação
A especialista em políticas públicas e gestão governamental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Liliane Bernardes alertou para a multiplicação de iniciativas parlamentares que reconhecem algumas patologias como deficiência. Segundo ela, cerca de 60 projetos de lei tramitam no Congresso com esse objetivo — o que, na opinião dela, acaba contrariando o conceito da avaliação biopsicossocial, ao gerar fragmentação entre os grupos e sobrecarregando os programas assistenciais. Quando a avaliação é falha, injusta ou burocrática, acaba comprometendo a própria vida das pessoas com deficiência, sua dignidade e sua inclusão social, explicou:
"Esse movimento [o reconhecimento de diversas patologias como deficiência] contraria a abordagem psicossocial e o conceito de deficiência definido na convenção e também na LBI. O resultado são leis que, em vez de promoverem inclusão, geram fragmentação e hierarquia entre grupos. Alguns se tornam mais reconhecidos porque respondem a uma lei específica, enquanto outros permanecem invisíveis por não terem uma norma para chamar de sua. Uma consequência grave desse tipo de legislação não isonômica é a sobrecarga do sistema de proteção social. Pessoas que têm o mesmo diagnóstico ou com condições distintas, mas que apresentam necessidades muito diferentes de apoio e suporte, acabam recebendo o mesmo tratamento do Estado, o que aprofunda desigualdades".
Contextualização
Na avaliação dos especialistas, senadores e ativistas, olhar as individualidades das barreiras impostas não apenas pela limitação física, mas considerando o contexto social, é um dos maiores desafios da universalização dessa avaliação. A responsabilidade, segundo eles, é que ela seja um instrumento de “reconhecimento de direitos humanos da pessoa com deficiência, e não de exclusão”.
Essa posição foi endossada por Hisaac Alves de Oliveira, que possui visão subnormal e representa a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Ele falou das barreiras enfrentadas nas atividades mais cotidianas, como a compra de alimentos.
Mercado de trabalho
Representante do Ministério do Trabalho, Lailah Vilela destacou que mais de 537 mil pessoas com deficiência foram contratadas entre 2009 e 2024. No entanto, segundo ela, ainda existem cerca de 445 mil vagas disponíveis nas empresas que estão sujeitas a cotas — ou seja, aquelas que possuem mais de 100 empregados. Lailah defendeu a valorização e ampliação do trabalho dos auditores fiscais para incentivar que as empresas rompam barreiras físicas e discriminatórias na contratação desse público.
"Nós precisamos intensificar esse processo de fiscalização. A gente sempre solicita isso: que ampliem o número de auditores fiscais para que eles possam se dedicar a esse projeto de inclusão. Para que a falta de acessibilidade arquitetônica, de comunicação e de informação não sejam pretexto para a não inclusão, porque nós sabemos que a grande barreira é atitudinal".
Oportunidades
Maria Clara Israel tem síndrome de Down e é servidora da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Ela relatou aos participantes da sessão especial que sua condição nunca a impediu de “viver plenamente feliz, de sonhar e de conquistar o seu espaço no mundo”. No entanto, ressaltou, isso só foi possível porque desde cedo contou com apoio da família e teve acesso a ações multissetoriais que promoveram seu desenvolvimento e, consequentemente, sua inclusão em diferentes contextos sociais.
"Ainda existe muita gente que não acredita na nossa capacidade, mas nós podemos alcançar coisa não imaginadas na educação, no esporte, na cultura, no trabalho, no cinema, na TV e em muitos outros lugares. Quando temos apoio e oportunidades, podemos surpreender, podemos brilhar. O que eu mais desejo é que a sociedade nos veja como realmente somos: capazes, cheios de potencial e donos da nossa vida".
O senador Romário (PL-RJ), um dos relatores do projeto que gerou a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, destacou que, apesar dos avanços, os desafios impostos a essa parte da população brasileira indicam que a luta por melhorias precisa ser realizada todos os dias.
"Já tivemos muitos avanços quando falamos em conquistas de direitos, principalmente a nossa LBI. Mas sabemos que não é somente transformar a lei em realidade. Quando minha filha Ivy nasceu, com síndrome de Down, descobri que a deficiência não limita a vida. O que limita é a falta de apoio, de respeito e de oportunidades".
Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), senadora Damares Alves (Republicanos-DF) destacou a sessão como mensagem importante para indicar que o Parlamento está alinhado com o tema e busca, por meio do diálogo com as pessoas com deficiência, avançar nas conquistas e na busca pelo cumprimento da lei. Com informações da Agência Senado
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