A explosão dos afastamentos por transtornos mentais no trabalho

 
Lariane R Del Vechio*
 
Os afastamentos do trabalho por transtornos mentais têm crescido de maneira explosiva no Brasil, revelando uma epidemia silenciosa dentro das empresas, bancos, hospitais e no transporte público. Segundo dados do Smartlab, base integrada do Ministério Público do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho, com registros do INSS entre 2012 e 2024, somente no último ano os afastamentos por motivos psicológicos saltaram de 283 mil para 471 mil, um aumento de 66%. 
 
Já não se trata de casos isolados: o País vive uma “era epidemiológica” dos transtornos mentais laborais. O ambiente profissional, cada vez mais marcado por metas inalcançáveis, insegurança, pressão constante e exposição à violência, tem adoecido milhares de brasileiros.
 
Entre as categorias mais atingidas estão motoristas de ônibus, gerentes de banco, escriturários, técnicos de enfermagem e vigilantes. Mesmo assim, o reconhecimento previdenciário de que o adoecimento decorre do trabalho ainda é raro. Entre motoristas, apenas 1 em cada 10 afastamentos por transtornos mentais são enquadrados como doenças relacionadas ao trabalho. Entre técnicos de enfermagem, o percentual é de pouco mais de 8%. Já os gerentes de banco chegam a quase 40%, reflexo da cultura de metas abusivas e cobrança intensa por resultados. Essa disparidade revela o quanto o sistema ainda falha em reconhecer o sofrimento psíquico como consequência direta do ambiente laboral.
 
Quando a perícia médica do INSS identifica que a doença foi causada ou agravada pelo trabalho, o benefício é concedido como auxílio-doença acidentário, o chamado B91. Caso contrário, é classificado como auxílio-doença comum, o B31. A diferença entre os dois é profunda. No caso do B91, o trabalhador tem estabilidade de 12 meses ao retornar ao emprego, a empresa deve continuar depositando o FGTS durante o afastamento e o caso impacta o Fator Acidentário de Prevenção, o que pode elevar a contribuição da empresa que adoece seus funcionários. No B31, não há estabilidade, não há depósitos de FGTS e a empresa não sofre consequências. Ao negar o vínculo ocupacional, o sistema transfere toda a responsabilidade ao trabalhador e exime empresas com ambientes tóxicos de qualquer sanção.
 
Há quase duas décadas, a legislação brasileira prevê o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), criado pela Lei 11.430/2006. O mecanismo presume como ocupacionais determinadas doenças associadas a certas atividades, por exemplo, transtornos mentais em profissões com cobrança abusiva ou pressão extrema. Na prática, porém, o NTEP é frequentemente ignorado nas perícias. Essa omissão impede que milhares de trabalhadores tenham reconhecido um direito básico: o de ver a saúde mental incluída entre as doenças ocupacionais amparadas pela Previdência Social.
 
Ambientes de trabalho tóxicos não surgem por acaso. Eles são resultado de decisões organizacionais orientadas pela produtividade a qualquer custo. O Estado, por meio da Previdência, tem o dever de reconhecer e proteger quem adoece trabalhando, seja dirigindo um ônibus sob ameaças diárias, atendendo clientes sob metas inalcançáveis ou cuidando de vidas em hospitais com equipes reduzidas. É urgente aprimorar a investigação pericial sobre as causas e concausas do adoecimento, aplicar corretamente o NTEP e fortalecer políticas de saúde mental e segurança no trabalho.
 
Reconhecer o sofrimento psíquico laboral é reconhecer a dignidade humana no trabalho. Se o ambiente de trabalho adoece, ele deve ser responsabilizado. Se o trabalhador adoece, ele precisa ser protegido. O silêncio institucional não pode continuar sendo a resposta para uma realidade que já afastou milhões de brasileiros do trabalho  e da vida que desejavam viver.
 
*Lariane R Del Vechio é advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
 


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