Reforma Trabalhista completa oito anos com avanços e busca de equilíbrio entre flexibilidade e proteção

 
Caio Prates, do Portal Previdência Total
 
Aprovada em 2017, a Reforma Trabalhista completa oito anos no próximo dia 11 de novembro, com efeitos distintos na rotina de empresas e trabalhadores. O balanço ainda divide opiniões, mas é considerado por muitos juristas um marco de modernização das relações de trabalho no Brasil. A reforma alterou mais de cem dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzindo novas modalidades contratuais, reforçando a negociação coletiva e redefinindo a dinâmica entre empregados e empregadores. Entre as principais mudanças estão o fracionamento das férias, a regulamentação do home office, a possibilidade de acordo para demissão, a flexibilização do intervalo de almoço e o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.
 
De acordo com o advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, alguns desses pontos se consolidaram na prática, enquanto outros ainda geram discussões nos tribunais.
 
“A reforma trouxe várias mudanças importantes. Entre elas, o fracionamento das férias em até três períodos, a possibilidade de negociação individual de banco de horas, a redução do intervalo para almoço de uma hora para 30 minutos, a regulamentação do trabalho em home office e a transformação da contribuição sindical obrigatória em opcional, mediante concordância expressa do trabalhador”, explica Stuchi.
 
Segundo o advogado, as empresas incorporaram de fato algumas dessas flexibilizações, mas outras permanecem pouco utilizadas.
 
“O fracionamento das férias foi uma das novidades que mais pegaram. Hoje é comum o trabalhador dividir o descanso em dois ou três períodos, especialmente no fim do ano. Por outro lado, a negociação individual de banco de horas e a redução do intervalo para 30 minutos não se tornaram práticas usuais. As empresas, em geral, mantêm os mesmos parâmetros de antes da reforma”, avalia.
 
Para o advogado Eduardo Pragmácio Filho, sócio do Furtado Pragmácio Advogados e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, a reforma representou uma atualização necessária à realidade contemporânea.
 
“A reforma trabalhista de 2017 foi muito importante, pois atualizou a legislação em vários aspectos, modernizando-a tanto no aspecto material quanto no processual, valorizando a negociação coletiva, acolhendo a terceirização, criando novos tipos de contratos — como o teletrabalho e o intermitente — e abrindo as portas para outras modalidades de solução de conflitos, ao prever a arbitragem e autorizar o acordo extrajudicial”, explica.
 
Segundo Pragmácio, o movimento reformador foi, em parte, uma resposta do legislador à jurisprudência consolidada no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
 
“Basta observar que muitos textos da lei agora contrariam frontalmente enunciados de súmulas do TST. Essa modernização era — e ainda é — necessária. As bases políticas, econômicas e sociais de quando foi criada a CLT são completamente diferentes das atuais. Hoje vivenciamos um Estado Democrático de Direito, em uma economia globalizada, conectada, urbanizada e tecnológica. Foi necessário um update da legislação trabalhista”, complementa.
 
Entre os destaques da reforma, Pragmácio cita a regulação do teletrabalho e do contrato intermitente, este último posteriormente validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar as ADIs 5826, 5829 e 6154. Outro ponto relevante, na ótica do advogado, está na valorização da negociação coletiva — tendência observada em diversos países e que confere maior efetividade às normas construídas pelas próprias partes envolvidas.
 
“A reforma definiu expressamente as matérias em que o negociado pode prevalecer sobre o legislado, conferindo maior segurança jurídica tanto ao empregador quanto ao empregado. O recente julgamento do STF no Tema 1046 reforçou essa diretriz, ao reconhecer a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que estabeleçam limitações ou afastamentos de direitos, desde que preservados os direitos absolutamente indisponíveis”, pontua Pragmácio.
 
Atualização necessária
 
Na visão da advogada Lariane R. Del Vechio, especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, a reforma representou “um marco de atualização necessário”, mas que ainda enfrenta resistência em determinados segmentos da Justiça do Trabalho.
 
“A reforma foi fundamental para adequar a legislação a uma realidade mais dinâmica e tecnológica, que já não existia nos moldes de 1943, quando a CLT foi criada. Institutos como o teletrabalho e o contrato intermitente foram respostas importantes à nova economia, mas a consolidação prática dessas modalidades ainda depende de amadurecimento jurisprudencial”, afirma a especialista.
 
Justiça e controvérsias
 
Mesmo após oito anos, diversos pontos da reforma continuam em debate nos tribunais. “Um exemplo é a remuneração do tempo de deslocamento. Antes da reforma, o tempo gasto pelo empregado da portaria até o local de trabalho podia ser considerado hora extra. A reforma retirou esse direito, mas o tribunal ainda discute sua validade. Outro ponto é o descanso de 15 minutos para mulheres antes do início das horas extras, que também está sendo reavaliado. Esses temas seguem sem súmula ou orientação definitiva do TST”, detalha.
 
Segundo os especialistas, nos primeiros anos após a aprovação da reforma, o número de ações trabalhistas caiu drasticamente, resultado das novas regras sobre custas processuais e honorários de sucumbência. Entretanto, decisões posteriores do STF, como a que julgou a ADI 5766, restabeleceram o acesso facilitado à Justiça gratuita, levando a uma retomada das demandas entre 2022 e 2023.
 
O Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2024 revelou que os julgamentos na Justiça do Trabalho superaram 4 milhões de processos no último ano, totalizando 4.000.793 ações julgadas, um aumento de 14,3% em relação a 2023. O levantamento mostra que, ao longo dos últimos 20 anos, com exceção do período de 2018 a 2020, o número de julgamentos vem crescendo de forma contínua. O relatório aponta ainda que o número de processos recebidos também superou os 4 milhões, alcançando 4.090.375, o maior volume das últimas duas décadas e 19,3% acima de 2023. Considerando apenas os casos novos, foram 3.599.940 novas ações. Entre os setores mais demandados estão serviços diversos (27,9%), indústria (20,6%) e comércio (13,1%), com destaque para temas como adicional de insalubridade, verbas rescisórias, FGTS, multa do artigo 477 da CLT e dano moral.
 
Passados oito anos, os especialistas avaliam que a reforma cumpriu parcialmente seu papel de modernização, mas ainda requer ajustes e estabilidade interpretativa. “O próximo desafio é calibrar a aplicação prática das regras, sem retrocessos e sem insegurança jurídica. A modernização não pode significar precarização, mas sim equilíbrio entre flexibilidade e proteção”, conclui Lariane R. Del Vechio.
 


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