Despensão: ilegitimidade ativa do sucessor previdenciário
Marco Aurélio Serau Junior*
O STJ, a mídia jurídica e as redes sociais deram recentemente bastante publicidade ao acórdão proferido no recurso especial 1.515.929/RS, que decidiu a respeito da despensão .
Embora não se trate de um recurso especial julgado na sistemática dos recursos repetitivos (prevista no art. 543-C, do CPC ), aquele Tribunal Superior deu-lhe bastante publicidade e repercussão, o que suscita a importância de seu exame detalhado.
A despensão é a situação em que os titulares da pensão por morte pretendem a majoração de seu benefício, computando no cálculo do benefício contribuições previdenciárias vertidas pelo segurado instituidor mesmo após sua aposentadoria, dado que teria continuado a trabalhar.
No julgado ora comentado, o STJ definiu que a desaposentação é ato personalíssimo de renúncia do benefício previdenciário, a ser praticado apenas pelo segurado aposentado, titular do direito, não se admitindo renúncia post mortem, através de pleito formulado pelos dependentes do de cujus como despensão.
Uma primeira observação deve ser feita, elogiosa: o STJ permaneceu fiel a seus precedentes e à premissa lançada quando do julgamento do tema da desaposentação (RESP repetitivo 1.334.488/SC), onde indicou que as aposentadorias se tratam de direitos patrimoniais e, portanto, disponíveis, permitindo a desaposentação.
Nesse sentido, o STJ desempenhou com perfeição seu papel de Tribunal responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal, dando vigor a seus precedentes já estabelecidos. É de todo inconveniente quando se há conturbação e atropelo aos entendimentos consolidados.
Contudo, a solução dada pelo STJ à despensão, data máxima vênia, não é a mais adequada ao caso em tela.
Isso porque aquele aresto baseia-se em premissas equivocadas, no sentido de que a desaposentação não seria uma espécie de revisão, mas ato de renúncia à primeira aposentadoria, buscando-se novo e mais vantajoso benefício previdenciário a partir do cômputo de novas contribuições previdenciárias.
Ora, como já tivemos oportunidade de explicar em nossa obra Desaposentação – novas perspectivas teóricas e práticas, a desaposentação (com reflexos na despensão) não se trata de simples ato de renúncia, mas uma espécie diferenciada de revisão ou transformação do ato administrativo de concessão do benefício previdenciário, com alteração do cálculo do valor do benefício.
Nós buscamos fundamentar essa diferença de entendimento face o que o STJ vem decidindo sobretudo à luz da natureza de direitos fundamentais dos direitos previdenciários (algo que impõe tratamento administrativo diferenciado) e da natureza contributiva do próprio sistema previdenciário, conforme previsão do art. 201, da Constituição Federal, que produz reflexos em termos de contrapartida social em prol dos segurados .
Em que pese a intervenção judicial em políticas públicas deva ser interpretada restritivamente, esse julgamento que aqui comentamos acaba, através da utilização de um argumento meramente processual, por fulminar a discussão legítima e importante sobre a despensão.
Trata-se de um inequívoco exemplo de jurisprudência defensiva.
Todo modo, pensamos que a discussão a respeito desse instituto não findará neste julgamento do STJ. A possibilidade de despensão certamente será levada ao âmbito do STF, que a analisará à luz das normas constitucionais, sobretudo a partir da perspectiva de que o regime previdenciário é eminentemente contributivo, tal qual aguardado pela comunidade jurídica em relação à desaposentação.
*Marco Aurélio Serau Junior é mestre e doutor em Direitos Humanos (USP) e autor de diversas obras jurídicas, dentre elas – novas perspectivas teóricas e práticas (Forense, 5ª edição) e Manual dos Recursos Extraordinário e Especial (Método).