Especialistas apontam prós e contras da correção do seguro obrigatório
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu nesta segunda-feira (9) audiência pública para discutir a atualização monetária das indenizações do seguro obrigatório, pago a vítimas de acidente de trânsito.
O debate serviu de subsídio para o julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos que vai definir a incidência ou não da correção monetária nas indenizações do seguro DPVAT a partir da edição da Medida Provisória 340/06, convertida na Lei 11.482/07.
Essas normas estabeleceram valores fixos para as indenizações, que vão de R$ 13,5 mil (em caso de morte) a R$ 2,7 mil (cobertura de despesa médica). Os valores vigoram desde 2006, e não foi previsto nenhum índice de correção. O que se discute no recurso é se o valor a ser pago ao beneficiário deve ser corrigido desde a edição da MP 340 ou somente a partir da data do acidente.
No primeiro painel, o subprocurador-geral da República Humberto Jacques de Medeiros colocou em debate a intenção do legislador ao estabelecer valores fixos para as indenizações do seguro obrigatório: a ausência de previsão de correção é uma lacuna ou um silêncio eloquente que congela os valores?
Para Medeiros, se o STJ entender que deve haver correção, que seja feita apenas a partir do acidente. Mas ele opinou que essa questão deve ser levada ao Legislativo para que promova a alteração da lei.
Danilo Cláudio da Silva, representante da Superintendência de Seguros Privados (Susep), manteve-se neutro sobre a incidência de correção monetária. Ele apenas apontou a necessidade de se observar o fato de que o pagamento de indenizações cresce de forma muito desproporcional ao crescimento do pagamento do seguro pelos proprietários de veículos. Citou o exemplo das motos. Em 2011, foram pagos R$ 65 milhões em indenizações. Em 2013, esse valor saltou para R$ 331 milhões.
O primeiro painel foi encerrado pelo representante da Defensoria Pública da União (DPU), Sander Gomes Pereira Júnior. Ele defendeu a incidência da correção monetária sobre as indenizações do DPVAT para manter esses valores estáveis ao longo do tempo, por conta da inflação. “Temos de preservar a finalidade da lei. Quanto mais o valor cair, mais a lei perde seu sentido”, afirmou.
Partes no processo
No segundo painel, os debatedores foram os advogados das partes envolvidas no processo escolhido como representativo de controvérsia, que será julgado pela Seção. O recurso é da Seguradora Líder, administradora do seguro DPVAT, contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que determinou o pagamento da indenização por morte ao pai de vítima fatal, com correção monetária desde a edição da MP 340.
Márcio Vieira Souto Costa Ferreira, advogado da seguradora, afirmou que a incidência de correção monetária depende de previsão legal específica, o que não há no caso. Se houver correção, ele insiste que seja a partir do acidente.
Ferreira argumentou que a evolução da frota de veículos é menor que a evolução dos sinistros. Apontou também a forte inadimplência dos proprietários de moto no pagamento do seguro anual obrigatório, que chega a 41%. Segundo ele, todos esses fatores demonstram que a ausência de correção monetária não acarreta enriquecimento ilícito da seguradora, que recebe 2% do valor pago pelo seguro.
Bruno Fuga, advogado da beneficiária do seguro, destacou a jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal sobre a necessidade de haver correção monetária sobre qualquer crédito para impedir o enriquecimento sem causa do devedor.
Fuga apontou que as indenizações estão com valores estagnados desde 2006. Citou que, no caso de motos, o valor pago como prêmio era de aproximadamente R$ 137 e hoje é de R$ 296. Se o crescimento do valor do prêmio fosse proporcional ao da indenização, esta deveria ser atualmente em torno de R$ 26 mil para o caso de morte.
Catástrofe
Nos outros quatro painéis, representantes de diversas entidades se posicionaram contra ou a favor da correção das indenizações do seguro DPVAT. O economista Bernardo Appy, da LCA Consultores, ressaltou que a aplicação da correção monetária desde 2006 provocaria a insolvência do DPVAT e o retorno da indexação da economia brasileira. Segundo ele, “a indexação seria um retrocesso com consequências catastróficas”.
Os advogados Paulo Roque, da Caixa Seguradora, e Gustavo Binenbojim, da OAB-RJ, compartilham da mesma opinião. Para eles, a correção automática das indenizações pelo índice de inflação é uma forma de indexação vedada pela legislação, com respaldo do Supremo Tribunal Federal (STF). “A questão central é se queremos ou não queremos a volta da indexação na economia”, afirmaram.
Antonio Penteado Mendonça, da OAB-SP, e Paulo Ferreira Pereira, do Instituto Brasileiro de Atuária, destacaram a importância social do DPVAT e os perigos da indexação dos valores pagos a título de indenização. Segundo Paulo Pereira, a aplicação da correção monetária retroativa pode gerar um impacto de R$ 6 bilhões no caixa do DPVAT.
Padrão econômico
Stepherson Vieira Lacerda, da OAB-SP, defendeu a aplicação da correção monetária como uma medida legal e “extremamente” justa para amparar as vítimas de acidentes de trânsito e seus familiares. Para ele, o congelamento do valor da indenização viola o direito do consumidor.
Alex Gonçalves de Jesus, da OAB-BA, entende que a não aplicação da correção monetária está aniquilando o valor das indenizações: “A correção não é reajuste, é simplesmente a recomposição do padrão econômico.” Ele lembrou que os Tribunais de Justiça de todo o país estão concedendo a correção como forma de reduzir os efeitos da inflação.
Responsável pela convocação do debate, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino enalteceu o “alto nível” dos expositores e a importância dos aspectos sociais, econômicos e jurídicos levantados por eles: “Saímos enriquecidos desta audiência pública.” Ele afirmou que o recurso especial será pautado para julgamento após o Ministério Público apresentar seu parecer. Com informações do STJ.